Cena III
FUNQUEIRO
Aproxima-se mais um potencial passageiro para a barca do inferno:
Funqueiro: (Entra cantando em ritmo de funk) Vô fazê, vô fazê, vô
fazê cê rebolá, rebolá, rebolá...
Barqueiro: Cale a boca, o do ritmo besta e da letra pobre, eu sou o
barqueiro e não sou obrigado a ouvir esse tipo de coisa! Fique sabendo que não
recebo insalubridade!
Funqueiro: Mano, que viagem! (fala dando uma olhada ao redor) Você
é o coisa ruim? Pô, aquela ervinha é boa mesmo, é a melhor piração que já
tive... dá até vontade de fazer uma rima...
Barqueiro: (grita em desespero) Não! Vê se acorda! Você expirou e
está numa viagem sem volta para a terra do fogo!
Funqueiro: Os mano não vai acreditá (fala indo em direção ao
barqueiro), você parece tão real, até dá pra escostá! (diz apertando a bochecha
do barqueiro)
Barqueiro: (coloca a mão espalmada na face, fazendo feição de perplexidade,
por não acreditar no que ouvia. Olha para a plateia, já sem a mão na face)
Depois dizem que usar uma ervinha não frita os neurônios! (olha para o
funqueiro e desfere um tapa no rosto dele. Canta em ritmo de funk e mexendo as
mão como se estivesse dançando) Acorda, acorda, acorda... (fala sério e alto)
ACORDA mano de pouco cérebro!
Funqueiro: Ei, esse tapa doeu! (fala como se tivesse caído na
realidade)
Barqueiro: E você morreu, mo-RREU. Já que acordou vou repetir: Mim
ser o barqueiro, você ser defunto fresco, esta ser a barca que o levará para a
terra que não tem axé, funk, nem pagode, muito menos música sertaneja... (faz
ânsia para vomitar, olha para o público) Sinto um embrulho no estômago só de
falar!
Funqueiro: Mas como vim parar aqui? Estava num baile lá no morro, e
a galera tava pirando...
Barqueiro: (olha para o público) Sou concursado, não tenho que dar
muita explicação. O contrato era claro: (levanta o livro) segurar o livro da
morte, (aponta para o funqueiro) embarcar os sem vida e (aponta para o remador)
chefiar a barca para a terra da perdição eterna. Não estava escrito: falar,
ler, dar explicações, e bá, bá, bá...
Mas, (olha para funqueiro) escute que minha fala não tem refrão.
Funqueiro: É todo revoltadinho, só pode ser roqueiro, ainda mais
com essa capa preta...
Barqueiro: (fala alto) Silêncio. Seu nome é Pedro Minhoca?
Funqueiro: Fale baixo, todos me chamam de Nenén, o melhor funqueiro
da zona sul... ééé...
Barqueiro: (começa a ler o livro) O senhor MINHOCA, após usar uma
ervinha, foi cantar funk num palco na comunidade da zona sul, empolgou-se e
pulou do palco para que os espectadores o segurassem, mas como ninguém o
segurou, o seu MINHOCA caiu no chão, engolindo o microfone que segurava nas
mãos. Resumindo: morreu.
Funqueiro: Pô cara, nos shows de rock eles sempre fazem isso e
ninguém morre. Eu levava a minha música prôs mano e pras mina, eles piravam...
eu não mereço ficá nesse lugar, onde a minha arte não é valorizada...
Barqueiro: Arte? Não me venha com essa! Vou resumir, que a questão
é simples: (olha para a plateia) é só subir na barca e ficar calado até a
partida. Só isso, nada mais! Já vou dizendo que não adianta rebolar, pois vocês levam uma vida
medíocre, de escolhas erradas, e ainda querem que eu justifique! O que vou fazer é apenas ler a sua página, então preste atenção: (olha para o
funqueiro, abre o livro e o lê) Minhoca, mais conhecido como Funqueiro Neném,
com suas letras incentivou as pessoas ao uso de drogas, à prostituição,
incentivou à violência, ao uso de armas, fato que levou muitas pessoas a agirem de forma errada... Quer que eu continue? Desenhe?
Funqueiro: Mas sempre ouvi dizer que quem canta seus males espanta,
ou, ainda, quem canta reza duas vezes...
Barqueiro: Pare de falar tanta asnice, homem sem tom, que de você não tenho dó, e
vou levá-lo de ré, lá para a terra sem sol. Reconheça os seus erros e a falta de acordes, admita que
funk não é música, mas que não passa de poluição sonora, e que você nunca
cantou, apenas expeliu golfadas rimas desafinadas. Vamos meu caro Minhoca, entre na barca, escolha o seu
lugar, e aproveite que hoje é de graça!
Funqueiro: Pode repetir tudo, que não entendi nada...
Barqueiro: Entre em silêncio! (fala irritado)
Funqueiro: (cabisbaixo, entra na barca)
Barqueiro: Entre em silêncio! (fala irritado)
Funqueiro: (cabisbaixo, entra na barca)
Barqueiro: (olha para a plateia) Quanta tristeza para um barqueiro
só! Um jogador de futebol, uma piriguete e um funqueiro, todos na mesma barca! Quem é que falta agora?
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