Auto da Barca do Inferno - A Piriguete


CENA II
A PIRIGUETE

... aproxima-se mais um potencial passageiro para a barca do inferno:

Piriguete: Não pode ser verdade, me belisca, me belisca, eu sempre quis conhecer você, eu sempre sonhei com isso, EU TE AMO! (diz abrindo os braços, indo em direção à barca)

Barqueiro: (diz olhando para a plateia) Nunca ninguém me disse isso antes! (olha para a moça) Venha, entre na barca, aproveite que é de graça!

Piriguete: (ignora o barqueiro e se aproxima de Dentucin) Eu estou no paraíso, estou sonhando e não acordei! Dentucin... eu... te... amo...

Dentucin: (não diz nada, apenas permanece com a cabeça baixa e acena com a mão, desdenhando da moça)

Barqueiro: (olha para o público) Eu sabia que não era pra mim. Aliás, não tem coisa pior que mulher que adora jogador de futebol (fala fazendo sinal de dinheiro com os dedos), pois eles são tão bonitos e “carrinhosos” (gesticula como se estivesse dirigindo)  -  (vira o rosto para a moça) Ei, psiu, o pouca roupa, olha aqui!

Piriguete: Que foi o da capa antiga. Aliás, está bem fora da moda, oh coisa de pobre!

Barqueiro: É uma pena que não posso tirar a vida de quem já está sem vida (gargalha)!

Piriguete: Sem vida está você, o velhote, eu estou vivíssima, e com um calor danado! (se abana)

Barqueiro: Aloou, olhe a sua volta, esse é o caldeirão dos fins dos dias, aproveite... entre na barca e escolha um lugar, pois a vida não te pertence mais. Entendeu?

Piriguete: Mas como foi que eu morri, eu sou tão jovem e cheia de vida para dar.

Barqueiro: Lá vem vocês com esse papo (fala tirando sarro, afinando a voz, e fazendo pose de madame) “Como foi que eu morri?’ Eu era tão cheia de vida! Eu tinha tanto dinheiro” (procura no caderno e fala) Achei: Ziguifrida Achin... o nome difícil!... Ziguifrida Achintzuma Melandrosa?

Piriguete: Mais conhecida como Boneca, mas pode me chamar de Melmel... (quase grita) Escutou Dentucin, meu amor...

Barqueiro: Silêncio, matraca dos infernos! Não quer saber por que a Boneca quebrou, o mel acabou? (ri consigo mesmo, dizendo) Essa foi boa: a boneca quebrou, o mel acabou! (olha para a plateia) Tá bom, nem foi tão engraçado assim...

Piriguete: (Tenta esticar a mão e pegar em Dentucin)

Barqueiro: O mocreia, escute: Ziguifrida Achintzuma Melandrosa, (fala desdenhando) mais conhecida como boneca ou melmel, caminhava pela beira mar, num dia lindo de verão, em que as pessoas estavam felizes... (para de falar e continua) que nojo, pessoas felizes, praia, uéka, (e continua a ler) quando... (faz silêncio, e faz cara de sério, coloca a mão na cabeça, olha para baixo por alguns instantes e diz em tom alto)  Que morte mais RI-DÍ-CULA! Tem certeza que quer saber?

Piriguete: É claro, continue...

Barqueiro: Pois bem, continuemos a história: Caminhava pela praia e, ao rebolar demais, se desequilibrou, caiu na areia e se engasgou com o próprio chiclete! (gargalha, e repete “se engasgou com o chiclete”) Meu, quanta incompetência!

Piriguete: Tá, tá, tá, tá bom, vi que já morri, agora chega, mas eu quero ir é para o paraíso, o que foi que eu fiz de errado, o quê?

Barqueiro: (suspira fundo) É sempre a mesma história, (fala zombando, fazendo gestos de madame) o que eu fiz de errado, eu dava leite pros gatinhos, penteava o cachorrinho, bá, bá, bá, tá bom, tá bom, escuta então...

Piriguete: (vai tentando escapar de fininho)

Barqueiro: Ei, ei, volta aqui o sem noção, aqui não tem escada rolante, muito menos elevador, só tem esta humilde barca, a sua disposição. Volte e escute: Boneca, Mel, ou seja lá qual for o seu nome. Você foi imoral a sua vida inteira, homens casados eram os seus parceiros prediletos, xingava todo mundo, aos 15 anos teve um filho e o abandonou no lixão... Quer que eu continue?

Piriguete: Mas eu fiz muitas pessoas felizes com o meu jeito divertido de ser...

Barqueiro: Mas fez mil vezes mais infelizes à custa da sua felicidade... Não esperneie boneca melada, entre na barca, vem, como já disse, e aproveite que hoje é de graça.

Assim, entra o segundo personagem na barca

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