Cena V
O TRAFICANTE
Enquanto isso, aproxima-se mais um potencial passageiro para a barca do
inferno:
Traficante: (entra gritando) Cale a boca que quem manda aqui sou
eu!
Barqueiro: (em tom e gestos afeminados) Ui, eu adoro homens
valentes, que gostam de mandar! (pigarreia) Rum, rum, seja bem-vindo prezado
mandalhão! Olhe bem a sua volta e me responda: Quem está com a capa preta? Quem
segura o livro da morte? Quem comanda a barca do inferno? E agora diga quem é
que manda nesse pedaço de terra escaldante?
Traficante: (olha para os lados) Fui capturado e não percebi! Fala
aí, cara feia, que morro é esse que nunca vi? É da zona norte? É o morro do
Bituca, da Pipoca? Mas já vou te adiantando, quando meus chegado chegá, vão
detoná todo esse barraco sem classe! Aliás, você sabe com quem tá falando, eu
sou o Black, maior traficante do Midigal, na minha área os cara tremem e as
mina piram! Tá ligado, cara feia!?
Barqueiro: (tom e gestos afeminados) Ai que medo, como estou
tremendo, vou pular da barca e me afundar na lava neste mundo do cão! (tom
sério) Olhe bem a sua volta, aqui você não manda não, usuário alucinado. Entre
na barca e vamos viajar, hoje é de graça!
Traficante: Usuário não, que não era
burro nem besta, eu vendia para os otários, só isso, ganhava minha graninha,
tinha meus seguranças e chefiava o morro. Entendeu, o da capa chinfrim?
Barqueiro: Que bom que compreendeu, novo USUÁRIO da barca. Usou
muito bem os verbos no PASSADO: vendia, ganhava, tinha, chefiava. Agora é só
você, e se está aqui, ao pé da barca, coisa boa é que não fez. Aliás, bem pelo
contrário, se vendeu drogas, então destruiu vidas, lares, colocava terror nas
pessoas... Então digo e repito: bem-vindo ao caminho sem volta, lar do cão
nefasto.
Traficante: Preste atenção: Eu sou Black, do Midigal, mandava
matar, sem dó nem piedade, temido por todos, como iria eu morrer sem ao menos
perceber, diga barqueiro do inferno.
Barqueiro: Seu nome é Rodrigo Pereira da Cruz?
Traficante: Me chame de Black, que é em inglês e impõe respeito!
Barqueiro: Respeito?
(gargalha) Só se for das pessoas comuns, por que dos seus comparsas, com
certeza não. Ouça como você foi morto...
Traficante: Fui morto o
escambau, se morri, só pode ter sido um ataque cardíaco, um derrame, ninguém me
mataria, como disse, sou o Black, do Midigal.
Barqueiro: Calado, Rodrigo Pereira da Cruz, você realmente morreu
do coração e também de derrame...
Traficante: Não disse, ninguém ousaria me matar...
Barqueiro: Silêncio, que ainda não terminei, ouça o que direi:
Rodrigo, conhecido traficante de uma comunidade, ao efetuar uma entrega de
droga, e ao receber dinheiro dos compradores, foi morto por um tiro em seu
próprio barraco, por um dos seus seguranças, o primeiro tiro atingiu o coração
pelas costas, e após ter caído no chão, outro segurança atingiu a cabeça de
Rodrigo com outro disparo. Os dois se venderam por merrecas.
Traficante: Morto pelas costas e pelas mãos dos meus próprios
seguranças, que filhos da...
Barqueiro: Silêncio, (com desdém) amado e respeitado Black...
Traficante: Como silêncio, eu dava emprego para aqueles ingratos,
que juraram fidelidade a mim. Se tinha alguém precisando de remédio, eu
comprava; se passava fome, eu dava comida. Todos me amavam! Até pensei em me
candidatar para prefeito.
Barqueiro: (lendo o livro) Rodrigo, o temido Black, o esperto e
corajoso do Midigal, o livro é a sua perdição, aqui diz: mandou matar homens,
mulheres, crianças; ameaçava todos; amava o dinheiro sujo do tráfico; com suas
drogas destruiu incontáveis pessoas e famílias; mandava atear fogo em ônibus,
escolas... Quer que eu continue?
Traficante: Era dinheiro fácil! Os burros e idiotas vinham até mim
para comprar coisas ilegais, eu era apenas o comerciante que não podia ficar no
prejuízo; se deviam, de alguma forma tinham que pagar. Muitos com uma surra
aprendiam, outros com a vida. O medo era a alma do negócio!
Barqueiro: (grita
demonstrando raiva) Chega de papo, que não somos compadres! Entre nesta barca
antes que eu mostre meu chicote, e lhe mostre que aqui, assim como na sua vida
terrena, você não é nada, e não passa de
um maldito. Entre agora, que gente da sua laia é aqui muito bem-vindo.
Traficante: (entra rápido na barca, de cabeça baixa)
Barqueiro: (olha para o traficante enquanto ele entra na barca)
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