"Pérolas da caserna: escalado para o futebol"

Toda profissão possui as suas pérolas, a vida na caserna (quartel) também possui as suas.

Entretanto, antes de iniciar o causo, há de se "traduzir" alguns termos peculiares:

- antigo: policial mais experiente, com anos de farda;
- moderno: policial recém-formado;
- sargenteante: faz as escalas de serviço;
- bisonho: a melhor tradução de bisonho é bisonho, mas também pode ser inexperiente, novato, lerdo, sem noção, ignorante, etc, etc, etc;
- peixe: quem recebe algum benefício por parte de algum superior hierárquico.

Há algumas variações, como toda história movida pela oralidade, mas a versão que conto é esta, que ocorreu em Jaraguá do Sul, mas cujo nome verdadeiro do santo, oculto para preservar a imagem (rsrs):

Um soldado moderno, moderno mesmo, formado faziam bem uns quinze dias, ao sair do serviço de policiamento ostensivo a pé, próximo das 19h, passa defronte a sala do sargenteante,  vê o sargento e presta continência, e ouve com satisfação a determinação que se seguiu:

"Zé, venha aqui."

"Boa-noite sargento, pois não!?"

"Amanhã, às 18h, haverá futebol no ginásio, e você está escalado! Entendeu?", falou o sargento.


"Sim senhor!", falou o moderno, extremamente feliz, pois pela primeira vez na vida havia sido escalado para uma partida de futebol com tanta ênfase, ainda mais por um chefe, agora chamado de superior hierárquico. Foi para casa rindo, e quando chegou fez questão de contar isso para a mãe, para o pai, para a namorada e até para o papagaio.

Noutro dia, que era a sua folga, ficou feliz o dia inteiro. Próximo das 16h, já estava vestindo o calção e o meião de futebol, dizendo que tinha que fazer bonito na partida.

Chegou ao quartel às 17h30min, vestia calção preto, camiseta do "coríntias", meião nos pés, chinelo de dedo, tênis de futsal nas mãos e peito estufado.

Adentrou no pátio do quartel e viu vários colegas agitados. Uns colocando capacete, outros segurando o cassetete. Foi quando observou uns três num canto, aproximou-se deles e perguntou, com ar um tanto arrogante:

"Ué, vocês não foram convidados pelo sargento pra jogar futebol no ginásio?"

Os três se olharam, segurando o riso. Um cabo antigão perguntou:

"Não. Mas você é moderno e já foi escalado!?", falou admirado e continuou, "Puxa, você é peixe mesmo, hein Zé!!"; e os três "se mataram" de tanto rir.

Nisso se aproxima o sargenteante:

"Tá Zé, o que é que você está fazendo com esse uniforme de futebol?", perguntou alto e sério.

"O senhor não me falou ontem que eu estava escalado para o futebol?", falou o já não tão seguro moderno.

"Seu BI-SO-NHO!", vociferou o irritado sargenteante, "você tem dez minutos para estar fardado e em forma para a conferência da escala do PO-LI-CI-A-MEN-TO de futebol! Dê um jeito, se vire, bisonho!!!"

http://tiagomartinsonline.blogspot.com.br/2011/03/policia-barra-ate-guarda-chuva-sem.html#!/2011/03/policia-barra-ate-guarda-chuva-sem.html
E enquanto o moderno Zé corria para tentar emprestar a farda de alguém, os quatro agora riam, não acreditando no que estavam vendo.

Às 18h, em ponto, o sargento fazia a conferência do efetivo que trabalharia no futebol. Dentre os escalados, o bisonho do Zé, que, dizem, ter emprestado a farda de alguém menor do que ele. Ou seja, tanto a calça quanto a camisa ficaram extremamente coladas ao corpo. Dizem, inclusive, que mancou o policiamento inteiro, pois o coturno era dois números menor  e, portanto, os dedos ficaram encolhidos.

Dizem, também, que quando o Zé retornou para casa, os pais perguntaram como foi no futebol, e ele mancando devido aos calos, respondeu:

"Depois de'u fazer dois gols o pessoal começou a me caçar, quase quebraram a minha perna! Nunca mais vou jogar lá, mas nunca mais mesmo!"

Depois daquela data, toda vez que o Zé passa pelo pátio do quartel alguém sempre grita:

"O Zé, vamo jogá uma bolinha?"

Então o Zé fica vermelho, faz cara de mau, mas sempre acaba rindo da sua própria desgraça, pois sabe que quando alguém, na caserna, "pisa na bola", é lembrado pela eternidade.



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